PRODUÇÕES ACADEMICAS

O TEÓLOGO E O MAGISTÉRIO

1. Introdução

Considerando que toda reflexão proposta pela Igreja tem como ponto de partida o próprio Deus, e é por isto que sua reflexão se chama teologia, porque é discurso sobre Deus, não há como esquivar-se do dado a priori da fé. A fé é o que dá o último sentido de qualquer que seja o discurso tecido na Igreja. Sem a fé o homem não encontra razões no ensinamento da Igreja. Desse modo, tanto para entender como para ser compreendido na comunidade dos fiéis é preciso ter fé antes de qualquer pressuposto.
Para termos mais coerência e clareza em nossa reflexão é imprescindível realizar um percurso metodológico. Essa pedagogia possibilitará uma compreensão mais autêntica do que se quer transmitir. E como primeiro passo desse caminho, apresentamos a escuta, como característica cruciante de todo aquele que deseja realizar uma experiência cristã. Em primeiro lugar é bom considerar que a disposição para escutar é movida por um desejo de conhecer. É para conhecer a Deus que nos colocamos em atitude de escuta diante d’Ele. Contudo, não podemos confundir esse posicionamento como passividade diante de Deus. Esta escuta é “operante” enquanto tenta perscrutar os mistérios de Deus, colocando-se ao mesmo tempo à sua disposição. Paradoxalmente essa escuta é, por assim dizer, inquietante. “Alcançar a Deus, isto é, conhecer e amar a verdade, é a única felicidade que pode satisfazer o espírito humano.” E quando o ser humano percebe a existência da Verdade, que lhe é superior, ou seja, imensurável, que envolve todo o seu ser, sente-se impelido por ela. Sua autenticidade é tamanha que a única atitude diante dela é de obediência. Isso quer dizer, submeter-se livremente na fé a todas suas consequências.
Esta Verdade, chamada por Santo Agostinho de “Mestre interior”, é para nós cristãos o Espírito de Cristo, ou seja, sua presença mesma em nós. Percebemos, a essa altura, que nosso ser está marcado com o ser de Cristo. Diante disto, o que nos resta é nos configurarmos a ele por completo. Trata-se de uma vocação de discípulos, imitadores do Mestre. Cresce, portanto o desejo de reproduzir suas atitudes. E para isto buscamos cada vez mais estar com Ele, criar uma intimidade que, por sua vez, produz um maior conhecimento de sua pessoa.
Na esteira destes pressupostos para uma vida cristã, de modo bem amplo, encontram-se tanto o Teólogo, quanto o Magistério vivo da Igreja. Eles são, antes de tudo, experimentadores desta experiência com Cristo e, ao mesmo tempo, anunciadores. O ministério a que foram chamados está plenamente ligado ao serviço de desenvolver esta fé no coração dos fiéis. Isto se dá de uma maneira mais específica quando, ao considerar a mesma Verdade, na apresentação das proposições que edificam o Povo de Deus.
“O Magistério vivo da Igreja e a teologia mesmo tendo dons e funções diferentes, têm em última análise o mesmo fim: conservar o povo de Deus na Verdade que liberta fazendo dele, assim, a ‘luz das nações’. Este serviço a comunidade eclesial põe em relação recíproca o teólogo com o Magistério.”
É com a reta intenção de fazer crescer o Reino de Deus, e de promover a salvação do homem todo e de todos os homens, que o teólogo e o Magistério se auxiliam no serviço da unidade na Verdade.

2. A serviço da unidade na Verdade

Em todos os âmbitos da vida cristã há uma característica essencial, que marca a vocação do cristão, trata-se da escuta. Nas Sagradas Escrituras vemos vários exemplos de que Deus se manifesta ao homem no silêncio. Basta recordarmos a experiência de Elias no Horeb:
“E Deus disse: ‘Sai e fica na montanha diante de Iahweh.’ E eis que Iahweh passou. Um grande e impetuoso furacão fendia as montanhas e quebrava os rochedos diante de Iahweh, mas Iahweh não estava no furacão; e depois do furacão houve um terremoto, mas Iahweh não estava no terremoto; e depois do terremoto um fogo, mas Iahweh não estava no fogo; e depois do fogo, o ruído de uma leve brisa. Quando Elias o ouviu, cobriu o rosto com o manto, saiu e pôs-se à entrada da gruta. Então, veio-lhe uma voz, que disse: ‘Que fazes aqui Elias?’”
A teofania a Elias quer nos chamar atenção, entre outras coisas, para o fato de que é preciso aguçar nossa “audição” a fim de percebermos o que Deus diz. A escuta, que aqui não é somente captação de ruídos sonoros, gera entre o ouvinte e a pessoa que fala uma intimidade. Entre o discípulo e o Mestre nasce a intimidade, pois através desse contato, por meio da Palavra, o Senhor se dá a conhecer. Na relação de Jesus com seus discípulos percebemos isso de modo mais concreto, pois os eleva de sua condição de servos: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que seu senhor faz; mas vos chamo amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai vos dei a conhecer.” (Jo 15,15). Sendo assim, como discípulos do Senhor e destinatários de sua mensagem, devemos estar bem atentos para ouvir sua voz, deixando que sua Palavra ressoe em nosso coração e chegue ao mais íntimo de nosso ser, como demonstra Ratzinger:
“Ouvir significa conhecer e reconhecer o outro deixa-lo penetrar no espaço do próprio eu, estar disposto a assimilar sua palavra naquilo que me é próprio, e com ela o seu ser, deixando-me por minha vez assimilar por ele. Após o ato de ouvir eu sou outro, meu próprio ser foi enriquecido e aprofundado, por se haver fundido com o ser do outro, e no outro com o ser do mundo.”
Outra característica fundamental da identidade cristã e, por isso, da vocação de discípulo é a obediência. Ela está em plena consonância com a necessidade de ouvir, na verdade, trata-se de sua consequência primeira. Sem dúvida, o discípulo e amigo de Jesus também é convidado a ser-lhe obediente. Como diz São Pio X: “E como é próprio de uma verdadeira amizade estarem de acordo os amigos no querer ou não querer uma coisa, estamos obrigados, como amigos, a pôr de acordo o nosso modo de sentir com o de Cristo, que é sanctus, innocens, impollutus (Hb 7,26).” Isto equivale a um ato livre, que consiste em orientar-se pela palavra ouvida. Mas, este tipo de atitude só pode ser assumido mediante a fé. “Obedecer (“ob-audire”) na fé significa submeter-se livremente à palavra ouvida, visto que sua verdade é garantida por Deus, a própria Verdade. Desta obediência, Abraão é o modelo que a Sagrada Escritura nos propõe, e a Virgem Maria, sua mais perfeita realização.” Sem que haja uma entrega confiante a Deus e a seu plano salvífico, como fez Abraão e Maria, não há como ser obediente à sua Palavra. Por outro lado, torna-se cada vez mais difícil falar em alguns valores como a obediência. O individualismo e a autossuficiência do sujeito, consolidados em nosso tempo, parece impedir que enxerguemos nossas fragilidades. Isso traz como consequência a impossibilidade de nosso relacionamento.
O Evangelho nos ensina esses valores encarnados na pessoa de Jesus Cristo. Sua vida foi a demonstração mais eloquente da necessidade de estarmos em plena relação com Deus. Por meio de sua escuta continua na oração e de sua indiscutível obediência à Vontade do Pai, nos ensinou o caminho da coerência. Jesus mesmo assume que não veio falar por si e de suas ideias particulares, mas tudo veio fazer em conformidade com o que recebeu do Pai. Acerca disto, encontramos no Evangelho segundo João as seguintes palavras:
“Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que vos digo, não as digo por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, realiza as suas obras.[...] Quem não me ama não guarda minhas palavras; e minha palavra não é minha, mas do Pai que me enviou.”
Diante de tudo o que nos é proposto pelo Evangelho, somos convidados, ou melhor, impelidos a imitar Cristo. Basicamente esta é a vocação do cristão – ser outro Cristo – fazer com que os outros vejam a presença de Cristo em suas ações. Imitar é o mesmo que fazer memória no sentido bíblico, ou seja, tornar presente. Atualizar a presença do Cristo pressupõe uma intimidade com sua pessoa, que por sua vez, se adquire com a escuta e a obediência à sua Palavra. Neste momento da vida cristã, onde buscamos imitar a pessoa de Jesus, já obtemos um determinado conhecimento de sua Pessoa.
Todo o afã da Igreja em conhecer e tornar conhecido Jesus Cristo, ao logo da história, sempre parti de sua experiência mística. Essa experiência nada mais é que o encontro com o próprio Cristo, que se revela nas Sagradas Escrituras e na mistagogia dos Sacramentos. Para que essa experiência fosse vivida por todo o mundo, a alguns foi confiada a particular missão (múnus) de ensinar:
“Jesus, aproximando-se deles, falou: ‘Todo poder foi me dado no céu e sobre a terra. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei.’”
Esta função sempre esteve intrínseca à missão dos Apóstolos e seus sucessores, os bispos. Com o passar do tempo e a evolução do espírito humano, algumas pessoas, que desempenhavam outros papeis na Igreja, despertaram para a vocação de estudar, aprofundar e transmitir algumas proposições a partir das verdades da fé. Essas pessoas nós identificamos como teólogos, que elaboram um discurso sobre Deus, tendo como principal ponto de partida a Palavra de Deus manifestada na Bíblia. Aqui temos presente dois instrumentos para a propagação da fé: o Magistério e a Teologia. Ao Magistério equivale o ensinamento dos bispos (em comunhão com o Papa e do Papa em comunhão com os bispos) e a Teologia nos remete à produção epistemológica dos teólogos. No seio da Igreja uma missão não contradiz a outra, mas as corrobora. Isso porque do mesmo modo que o Magistério reconhece o valor e a importância da contribuição teológica e lhe motiva a desenvolver-se, assim também, o teólogo da Igreja reconhece a autenticidade do ensinamento do Magistério.
Mesmo que a existência de um ensinamento não negue o outro, é mister distinguir com mais clareza as particularidades de cada um. Por isso, quando falamos do Magistério da Igreja compreendemos, em seu sentido amplo, que sejam os bispos seus componentes. Contudo, numa compreensão mais acurada, sabemos que a Igreja dispõe de mais mecanismos para a propagação de seu ensinamento. Por este motivo, ao ensinamento dos bispos dá-se o nome de Magistério hierárquico, ou pastoral. Concomitantemente, existe o Magistério Comum, ou dos fiéis, no qual está situado o trabalho dos teólogos. Realizada esta primeira distinção, é necessário realizar outra no que se refere ao caráter de cada ensinamento específico. Sendo assim, ao Magistério hierárquico é próprio o ensino da fé, a transmissão do depósito da Tradição Apostólica e de toda a Igreja, o ensino dogmático, bem como emitir juízos a partir do Credo. Primeiramente o Magistério, por herança apostólica, tem a fundamental missão de transmitir e propagar a fé autêntica recebida do Senhor. E isto se dá de modo prático através do testemunho e da sistematização da fé em seu ensinamento. Para realizar esta missão mais fielmente, não pode descurar de modo algum a doutrina dos Apóstolos, bem como dos Padres da Igreja. Na posse de todo esse arcabouço, o Magistério tem a autoridade, ética epistemológica, para definir as verdades da fé. Esta, por sua vez, se estabelece na doutrina, com a qual é possível discernir quais pensamentos são confluentes e quais são díspares da fé da Igreja.
O ponto máximo da unidade no pensamento da Igreja é Jesus Cristo. Ele é a Verdade que se revelou e o caminho pelo qual todo homem pode penetrar no Mistério da Santíssima Trindade. Está no coração de cada homem e, mais especificamente de cada cristão, o desejo de conhecer essa Verdade. Santo Agostinho já testemunhava este ímpeto, latente em seu coração: “... fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti.” Mas, aquele que experimenta desta Verdade não só deseja conhecê-la mais, como também fazer com que seja conhecida por todo mundo. O Magistério demonstra isso quando se mostra sempre mais fiel a essa Verdade e quando ensina à luz desta mesma Verdade. O mesmo caminho é percorrido pelos Teólogos, quando buscam a Verdade e constroem sua reflexão a partir dela mesma. E isto lhe dá autenticidade, ou mesmo razão para existir, a centralidade da Verdade. Não há Teologia e não é Teólogo, quando se parte de ideias subjetivas, ideologias particulares. A reflexão teológica suscitada no seio da Igreja requer a objetividade da fé como ponto indispensável de onde emana o pensamento cristão. Desse modo a Verdade que a Igreja anuncia desde os tempos apostólicos não é causa de divisão, mas de confluência na fé.
Todo trabalho teológico deve está orientado para estreitar a unidade na Verdade e fazê-la cada vez mais inquebrantável. Desta comunhão no pensar, surge à unidade na missão. Quanto mais unida, a Igreja tem forças para anunciar a Boa Nova, frente aos desafios hodiernos. Assim sendo, é indispensável a missão do Teólogo na Igreja e para o mundo. Pois consciente da evolução dos tempos e da constante necessidade de renovar a linguagem teológica, para que o Evangelho permaneça com o mesmo frescor de outrora, tem a crucial missão de colaborar com a missão do Magistério. Por tanto, a função própria do Teólogo é de refletir e construir reflexões, que seja na realidade, um serviço à própria Verdade. Associado a isto, está o mandato de ensinar, que se trata da missão de colaborar na obra do Magistério.
Enfim, enquanto ao Magistério foi conferido o dever de elaborar a doutrina da fé, bem como propaga-la como fundamento de uma vida cristã, ao Teólogo, por consequência, é dada a especial missão de contribuir no discernimento para a produção da doutrina da fé e ao mesmo tempo o inalienável dever de ensinar, como Teólogo da Igreja, a partir da mesma doutrina da fé que orienta a comunidade dos crentes e nunca a ela alheio.

Conclusão

O pluralismo cada vez mais difundido na contemporaneidade, também influenciou muito a história da Igreja desde o último século. A princípio, isto pode gerar duas consequências: tanto pode conduzir a uma divisão, como pode contribuir para o enriquecimento do conteúdo da doutrina da fé. Infelizmente, quando olhamos para nossa história recente percebemos muito mais divisões que enriquecimento. E é por esta razão que se faz cada vez mais presente a necessidade da unidade na transmissão da fé.
Toda construção teológica tem como fundamental ponto de partida a fé. Esta enriquece nossas perspectivas de raciocínio, ao passo que nos liberta de nosso “solipsismo” epistemológico, isto é, do nosso individualismo de pensamento. Pois, a fé nos introduz na comunidade dos fiéis, aliás, a própria fé é fé da e na Igreja. Por isso, somos impelidos a unidade, enquanto membros de uma mesma comunidade que possui a mesma e única fé. Do mesmo modo, a unidade se desenvolve na comunhão em torno da Verdade Revelada em Jesus Cristo. Este se constitui como um arcabouço indispensável, que foi discernido à luz do Espírito Santo ao longo da Tradição da Igreja. Sem considerar este fundamento não há comunidade de fé. No entanto, todos estes pressupostos não implicam numa uniformidade, que seria uma maneira infantil e superficial de entender a unidade. Pois, esta última, é composta, e deve ser assim, de uma variedade de formas que se completam e tornam mais clara a matéria imutável da fé. Por esta razão não podemos deixar de considerar a inegável contribuição do diferente na reflexão teológica. Fechar-se a esta realidade, é negar a incessante inspiração do Espírito de Deus no coração destes homens, que estão na Igreja. Riquíssimo é o conjunto de intuições manifestadas pelo Espírito Santo ao longo da história da salvação. A relação entre o teólogo e o Magistério não pode deixar de considerar isto.
Também, com a intenção de ratificar o que fora dito, apresenta-se a necessidade de renovar a linguagem teológica. Desafio constantemente suscitado no decorrer do tempo e da evolução do pensamento humano. As sociedades vão naturalmente passando por mutações com o passar dos anos e para que uma verdade, um valor, etc. permaneça viva é necessário adaptar-se a realidade. Enquanto cristãos, acreditamos que a Palavra de Deus é viva e sempre nova e que o Evangelho enquanto Boa Nova foi dirigido a todos os homens de todos os tempos. Por possuir este caráter universal não podemos torná-lo caduco e estéril. É por esta razão que a Igreja deve se preocupar como dizer esta mesma Verdade no hoje da história. Contudo, as contradições próprias de cada tempo não podem ser assumidas com a intenção de se atualizar, acabando por deturpar o conteúdo da fé.
Por fim, a relação de colaboração mútua entre o teólogo e o Magistério é bom que seja pautada por uma fidelidade a Jesus Cristo e à sua Verdade. Afim de que o povo de Deus se enriqueça sempre mais numa fé viva e madura, que possa transformar toda sua vida para melhor. Para isto é preciso estar atento ao perigo de sobrepor ideologias humanas, por vezes materialistas tão somente, à Boa Nova trazida por Cristo. A primeira limita o homem ao torná-lo preso a uma realidade transitória e corruptível. Ao passo que a mensagem de Jesus liberta o homem para uma dimensão transcendente, sem que para isto esqueça a necessária justiça humana. Pelo contrário a verdade de Jesus Cristo é também verdade sobre o homem que ilumina e transforma todo o mundo.



Uma arte sacra para o nosso tempo

Em todos os tempos, desde os mais primitivos o homem quis expressar seus sentimentos e pensamentos de forma concreta. O objetivo primeiro desse desejo era estabelecer a comunicação com os outros. Contudo, podemos dizer que nenhum homem pode externalizar completamente o que sente e o que pensa. O mesmo pode-se dizer sobre a arte, nenhuma obra de arte comporta todo o sentido que levou seu criador a criá-la. Nem mesmo o interprete, ou apreciador é capaz de decifrar a intenção do artista ao criar sua obra. Neste sentido já poderíamos considerar que o autor, ou artista são bem maiores que sua obra. Mas, o mais importante a ser considerado aqui é que o trabalho artístico é sempre a expressão do espírito humano em seu tempo. Por isso a arte mais que uma natureza puramente funcional, tem uma natureza mistérica. Diante de uma obra de arte o ser humano se questiona sobre o sentido de sua existência, ou melhor, na própria obra estão contidos os questionamentos fundamentais e as respostas encontradas, concomitantemente.
As reflexões que são feitas em torno da arte, assemelham-se em certa medida a possíveis reflexões sobre a religião. Esse seria um dos motivos que poderia explicar a relação tão perfeita e ao mesmo tempo tão antiga entre a religião e a arte. Pois, as religiões sempre se utilizaram da arte para divulgar suas crenças, como também para manifestar a experiência vivida no âmbito de sua fé. A Igreja, assim como as outras religiões, sempre se utilizou da arte para evangelizar e expressar sua experiência mística. Por isso, podemos identificar uma função específica para a arte sacra na Igreja, a de mostrar de modo visível tudo o que é mistério. Os sacramentos realizam de modo perfeito isso, ser um sinal visível de uma realidade invisível.
Nos anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II, mais especificamente, houve um período de desprezo da liturgia, bem como da arte sacra, tudo fruto de uma má compreensão do ensinamento conciliar. Hoje vemos emergir a superação de todo esse ceticismo espiritual. Há um resgate do espírito da liturgia e da arte na Igreja, que ficaram para trás. Não obstante algum exagero tenta-se estabelecer uma arte para hoje, sem, no entanto ter claro suas características. Não podemos deixar de considerar que todo esse momento precedente ao hodierno foi um dos geradores dos esvaziamentos espirituais dos fieis. Sugiram questionamentos como: qual o sentido da fé? O que é mesmo a Igreja? Os símbolos não são capazes, por si só, de responder tais perguntas, mas podem nos introduzir no Mistério de Deus aonde o homem encontra a verdade.
É atribuída a Mozart uma frase belíssima sobre a arte, que pode ser muito útil na nossa reflexão: “Para fazer uma obra de arte não basta ter talento, não basta ter força, é preciso também viver um grande amor.” Adaptando ao nosso contexto sagrado podemos dizer é fundamental a experiência do Amor Divino para a produção de uma arte eminentemente sacra. Onde não há a experiência do Amor de Deus não há arte sacra. Pode haver uma arte contemporânea e até agradável a contemplação, contudo esvaziada de sentido, não levando a uma experiência com Deus e por isso inviável para a experiência religiosa. Uma arte dita sacra, mas que não é fruto dessa imprescindível experiência de fé e amor é um contra testemunho, que impera a ação mistagógica da Igreja, quando não desvia do caminho para Deus. A arte sacra é uma resposta de amor do homem, mais ainda é a continuação da criação de Deus no homem, é a glória de Deus.
Por tanto, podemos afirmar que é importantíssima a produção de uma arte sacra para o nosso tempo, correspondendo ao espírito de renascimento e renovação da Igreja, deixando para trás compreensões limitadas, unilateralistas que não contribuíram para o bem da Igreja. Compreendendo a natureza da arte sacra e as necessidades do homem de hoje, não de ontem, nem de amanhã, talvez já estejamos dado o primeiro passo para a produção de uma arte sacra para nosso tempo.